Em frente à Praça Germano Sampaio, no bairro da Pintolândia, em Boa Vista, três jovens estão sentados na calçada. Eles aproveitam a pequena sombra de um muro alto para escapar do sol impiedoso do verão, na capital de Roraima.
O muro cerca um terreno de 15 mil metros quadrados (m²), com um grande galpão, algumas tendas improvisadas, um chão de terra e brita, um campinho de barro com traves tortas de madeira e algumas estruturas cobertas (como uma cozinha comunitária).
Ali vivem seis diferentes comunidades da etnia warao, que fugiram da Venezuela em 2016 e 2017, em busca de melhores condições de vida no Brasil e se estabeleceram no terreno. Hoje somam 340 pessoas, muitas delas crianças já nascidas em solo brasileiro desde a migração do grupo. Segundo eles, alguns já têm visto de residência no Brasil enquanto outros têm status de refugiados.
Quem passa pelo portão de ferro, vê logo na entrada uma caixa d’água com a logomarca da Unicef. Algumas placas também indicam que, um dia, aquele terreno já esteve sob a tutela da Operação Acolhida, uma ação criada em 2018 pelo governo federal para receber, abrigar e reassentar venezuelanos em outras partes do Brasil, em parceria com agências das Nações Unidas (ONU), como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
Desde março de 2022, no entanto, não se vêem mais agentes da Operação Acolhida por ali. Segundo os warao, eles se foram e desativaram o abrigo, chamado de Abrigo de Pintolândia. A coordenação da Acolhida informou que, em novembro de 2021, começou a reestruturar os abrigos indígenas para atender a padrões humanitários internacionais.
Segundo a coordenação, o Abrigo de Pintolândia foi desativado pois apresentava problemas de infraestrutura, habitabilidade, água, saneamento, alagamento e deficiência nas instalações elétricas e hidráulicas.
Outros dois abrigos – Nova Canaã e Tancredo Neves – também foram desativados e, aos warao foi apresentada a proposta para que fossem reassentados em outro local, o Abrigo Waraotuma a Tuaranoko. Parte dos indígenas, no entanto, decidiu continuar por ali.
Cada comunidade warao é chefiada por um aidamo, e os aidamos não queriam viver sob a administração da Operação Acolhida, com quem tinham atritos em relação às regras impostas dentro dos abrigos.
“Ficamos aqui porque nossos filhos já estavam estudando perto daqui. E nós já estávamos aqui antes. Também disseram que ia melhorar [nossa situação] mas não melhorou. É outra cultura, outra forma de convivência. Não havia respeito aos aidamos. Nunca nos consultavam. Nunca nos informavam”, conta Euligio Baez, um dos seis aidamos que chefiam o local.
Insegurança alimentar
A escolha não foi fácil. Ao optar por ficar no antigo abrigo, eles teriam a liberdade para se autogovernar, como faziam em seu território originário, mas não teriam mais acesso aos alimentos e à segurança proporcionada pela Operação Acolhida. A situação trouxe o primeiro grande problema para os warao. A maioria deles não têm emprego.
“A maioria segue desempregada. Sem emprego, mas com condição de trabalhar. Temos pessoas que sabem pelo menos ser ajudante, [trabalhar] na área de limpeza e pessoas com formação que são competentes para trabalhar em uma instituição”, diz Jeremias Fuentes, outro aidamo.
Segundo os aidamos ouvidos pela reportagem, a comunidade vive da venda de artesanato, da coleta de material reciclável e de auxílios governamentais. “A maioria aqui é de famílias. São pais que têm quatro, cinco filhos, que têm que buscar uma forma de se manter. Creio que a falta de oportunidades [de emprego] pode ser um tipo de discriminação, porque somos indígenas”, relata Fuentes.
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