Estudo elaborado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) revelou que, entre 2013 e 2023, independente da cor partidária do governante da vez, as prefeituras tiveram que “se virar” para resolver problemas causados por acidentes naturais, que atingiram os municípios no período. Só 1,2% do prejuízo foi coberto com recursos da União.
O levantamento concluiu que, nesses dez anos, os desastres causaram R$ 401,3 bilhões de prejuízos em várias partes do Brasil. Ao mesmo tempo, a União destinou apenas R$ 4,9 bilhões para ações de gestão de riscos de desastres, de 2013 a 2023. Ao todo, no período, os desastres causaram 59.311 decretações de situação de emergência e estado de calamidade pública.
Secas e chuvas foram os problemas ambientais que apresentaram maior número de “declarações”. A seca representou 41% dos decretos, enquanto as chuvas representaram 27%. De acordo com a CNM, a maioria dos decretos foi concentrada em Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Municípios com decretos de anormalidades recorrentes – desastres em geral (2013 a 2023):
O vice-presidente da CNM, Julvan Lacerda, que presidiu a Associação Mineira de Municípios (AMM) no período estudado, aponta as causas e apresenta as possíveis soluções para o problema. Segundo o ex-prefeito de Moema, cidade do interior de Minas Gerais – um dos estados mais atingidos por tragédias ambientais, os municípios receberam pouquíssimo auxílio do governo federal, independente de quem era o Presidente da República na época, porque o problema é antigo e resulta da injustiça federativa existente há muito tempo no Brasil.
“Não é uma questão de governo, mas sim do sistema federativo, que foi desenhado de uma forma que – em vez de se ter uma relação de parceria entre União, Estados e municípios – na verdade há uma relação em que a maioria do recurso, está na mão da União Federal, e a responsabilidade imediata com o cidadão cai na mão dos municípios”, lamentou. Para Lacerda, esse é mais um exemplo de que o pacto federativo brasileiro é injusto, pois concentra o poder no governo federal e, sobre o governo municipal, fica concentrado apenas o dever.
Abandono
“Então os prefeitos não têm o recurso na cidade, mas têm o dever de socorrer o cidadão, porque são os gestores municipais quem mais está próximo do povo”, resumiu Lacerda, dizendo que apesar de declarações à Imprensa, de que vão socorrer os municípios, na verdade os prefeitos se sentem abandonados na hora de resolver os resultados dos acidentes ambientais.
Segundo o ex-prefeito, está claro que o maior prejudicado mesmo é o povo, que sofre os impactos diretos e indiretos, causados por acidentes ambientais: “O povo do Brasil já paga a mais alta carga tributária do planeta e não tem o retorno, à altura, porque esse dinheiro fica concentrado em Brasília”, observou. “Para o gestor do município acessar esse recurso, existe uma burocracia muito grande e a maioria do dinheiro se perde, nos ralos da burocracia e da corrupção, e não volta para o cidadão”, acrescentou.
Atraso
O vice-presidente da CNM explicou que, quando há desastres de causas naturais, o prefeito decreta a calamidade lá na cidade onde aconteceu a tragédia, mas até que o efeito do decreto chegue a surtir efeito, na vida do cidadão, na maioria das vezes leva muito tempo.
“Muitas das vezes, o efeito da tragédia até já passou, porque o prefeito precisa provar mil coisas, burocraticamente, até que o dinheiro saia do governo federal e chegue lá no município onde aconteceu o problema”, esclareceu o ex-presidente da AMM.
Alternativas
De acordo com William Baghdassarian, professor de Economia do Ibmec em Brasília, o paradoxo entre o total de despesas que as prefeituras gastam e os recursos escassos que o governo federal devolve aos cidadãos para amenizar os prejuízos dos acidentes naturais mostra que a situação fiscal do país está “apertada”. Ele concorda com Lacerda, a respeito da necessidade de o Brasil rever as prioridades dos custos da política pública conforme o que o país arrecada. “Há uma série de políticas públicas que não são eficazes, que nunca foram monitoradas, que acabam atendendo a interesses de grupos específicos, sem que atendam ao total da população”, apontou Baghdassarian. “Essas políticas públicas poderiam ser descontinuadas, abrindo espaço fiscal para que a gente aumentasse os recursos alocados para política, por exemplo, de mitigação dos efeitos de desgastes ambientais”, explicou o professor do Ibmec.
Soluções
Para o vice-presidente da CNM, Julvan Lacerda, a solução é descomplicar, desburocratizar a máquina estatal. “O governo federal precisa desburocratizar e dar valor à palavra do gestor local”, opinou, para arrematar em seguida: “Depois, se houver algum erro, ele toma a vidência que se faça necessário, de acordo com o que tem que ser feito”.
Na visão do vice-presidente da CNM, o pacto federativo precisa ser revisto, no Brasil: “É necessário empoderar mais o governo municipal, e reduzir o poder do governo Federal”, sintetizou.
Fonte: Brasil61