Nesta sexta (31), a seleção brasileira de ginástica rítmica de conjunto começa a disputar mais uma etapa da Copa do Mundo da modalidade, desta vez em Sófia (Bulgária). A equipe se apresentará cada vez mais à vontade em sua nova pele: a de uma das principais forças do planeta no esporte. A confiança se dá pelos resultados recentes. Na última vez em que participou de uma etapa, há 13 dias em Atenas (Grécia), a seleção fez história: terminou com o bronze no geral (que une as notas das séries simples e mista), algo inédito para o país. O quinteto brasileiro foi formado por Giovana Silva, Maria Eduarda Arakaki, Nicole Pírcio, Sofia Madeira e Victória Borges. No comando, a técnica Camila Ferezin esbanja otimismo ao projetar o futuro da equipe. “Nosso trabalho está em nível de conquistar medalha olímpica, sim. Vamos trabalhar para isso”, afirmou Ferezin em entrevista à Agência Brasil.
O pódio deu sequência a um crescimento apresentado já em 2022, quando o Brasil foi quinto no Mundial (curiosamente também disputado em Sófia) na soma geral das notas. Anteriormente, o conjunto alcançara a terceira melhor nota na série mista na etapa de Pesaro (Itália) da Copa do Mundo. Os sinais já estavam ali.
Camila Ferezin afirmou que consegue identificar com clareza o momento da virada para a equipe. “Durante a pandemia, em 2020, ficamos dois meses em Sangalhos [Portugal], numa missão de treinamentos do COB, junto com a ginástica artística. Eu acho que foi muito importante nesse processo para as meninas. Elas puderam conviver com o [Arthur] Zanetti, a Rebeca [Andrade], a Flavinha [Flávia Saraiva], que são medalhistas. Fez bastante diferença na vida delas. Ver que é possível. Fez com que elas acreditassem. Foi uma virada de chave”, disse. A equipe terminou em 12º nos Jogos de Tóquio, disputados em agosto de 2021 e dali em diante decolou.
Na ginástica rítmica de conjunto, cada país se apresenta em duas séries: a simples, na qual as cinco atletas usam o mesmo instrumento, e a mista, na qual se dividem entre outros dois instrumentos. A cada ciclo olímpico, a distribuição muda. Neste, por exemplo, a série simples é formada por cinco arcos. A mista, por duas bolas e três fitas. A conquista na Grécia teve um peso mais acentuado por ter acontecido justamente na soma das duas notas. Nos Jogos Olímpicos, somente a classificação geral é que conta medalhas.
Além disso, foi a estreia da nova coreografia na série de cinco arcos. Pela primeira vez, Ferezin utilizou uma versão do hit I wanna dance with somebody, de Whitney Houston, com toques brasileiros. O resultado foi a segunda melhor nota na série, que acabou por alçar o Brasil ao pódio no cômputo geral.
“Este ano já estamos com as coreografias que vamos usar para competir em 2024. A Olimpíada é no meio do ano que vem, então não temos muito tempo para trocar as duas séries. Optamos por trocar uma das coreografias para esse ano e depois de conquistar a vaga olímpica vamos mudar a outra coreografia [da série mista]. Foi uma estratégia, uma tática para trazer uma novidade esse ano e outra nos Jogos Olímpicos. Deu muito certo. Os juízes e o público sempre esperam e até pedem aquele ritmo brasileiro e comentam quando não tem. Colocamos uma música muito conhecida internacionalmente, mas uma versão brasileira, com elementos de samba e funk. O encaixe foi perfeito”, contou, animada, a técnica.
Confira a entrevista completa:
Agência Brasil: Na sua opinião, o que melhor explica os bons resultados recentes da seleção?
Camila Ferezin: Acredito que foi fruto de um trabalho a longo prazo iniciado após o ciclo dos Jogos do Rio, em 2016. Quando montamos o time para o novo ciclo, em 2017, trouxemos essas meninas ainda muito jovens e inexperientes. Classificamos para Tóquio, éramos o conjunto mais novo dos que estavam lá. Eu acho que o grande diferencial para esse ciclo atual foi ter mantido a base. Elas treinam juntas (no Centro de Treinamento da CBG) em Aracaju, moram juntas. Esse segundo ciclo fez total diferença. Conseguimos fazer isso pela primeira vez porque elas começaram bem jovens. Estou na seleção há 12 anos e isso nunca tinha acontecido. Elas estão mais maduras. Claro que não é 100% o mesmo grupo, mas a maioria, sim.
Agência Brasil: O que esperar daqui em diante?
Camila Ferezin: Chegar, chegamos. Estamos muito felizes com os resultados aparecendo. Agora precisamos manter e conseguir ainda mais. Temos outra etapa de Copa do Mundo. Na primeira, não imaginávamos que chegaríamos a uma medalha no geral, foi uma surpresa para nós. Trabalhamos para elas chegarem bem.
Na realidade, estamos apenas começando a nossa temporada. A nossa principal meta é apenas em agosto, no Campeonato Mundial (em Valência, na Espanha). Temos a meta de classificar o país para os Jogos de Paris. Seria inédito conseguir isso no Mundial. Depois temos uma segunda chance que é nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, em outubro e novembro. Estamos bem focadas. As meninas abdicaram das férias. Estamos desde outubro de 2022, quando acabou o Mundial passado, pensando nesse ano e trabalhando.
Agência Brasil: E esta etapa da Bulgária especificamente? Qual a importância no calendário?
Camila Ferezin: Na ginástica tem muito treinamento, mas na hora que envolve público, arbitragem, a parte emocional tem que ser trabalhada. Vamos construindo essa experiência, nos sentindo mais à vontade, melhorando a coreografia e aumentando a pontuação conforme vamos participando das etapas. Antigamente, não tínhamos recurso para poder participar destas etapas todas. Quando eu era ginasta, participava de uma e já ia para o Mundial. Hoje elas têm essa oportunidade e com isso chegam mais preparadas.
Agência Brasil: Inevitável tocar no assunto Jogos Olímpicos de Paris. Cada novo bom resultado aumenta o otimismo, pelo menos do público, de uma medalha. É real para vocês também?
Camila Ferezin: Desde o quinto lugar no Mundial do ano passado, estamos motivadas e conscientes do trabalho necessário para chegar aonde queremos chegar. Estamos, sim, entre as melhores do mundo. Subimos vários patamares. O bronze é prova disso. O planejamento é em cada etapa de Copa do Mundo ficar entre as melhores, acertar a coreografia, aumentar a nossa nota para conseguir a nossa vaga. São as nossas metas, continuar entre as melhores e beliscar essas medalhas. Na Olimpíada, estaremos voando. Vamos brigar, sim. Há países muito bons e tradicionais. Mas lá, na hora da competição, dois minutos e meio definem tudo.
Agência Brasil: Você falou sobre tudo o que foi construído no tempo que as meninas passaram e passam ainda em Aracaju. Olhando de fora, parece um sacrifício grande em nome da carreira. Como treinadora, como fazer isso de forma responsável?
Camila Ferezin: Não é fácil para uma atleta jovem ter que deixar a família, os amigos e ir morar longe deles. Procuramos convocar ginastas que sejam maiores de 18 anos para que esse processo não seja tão difícil. Em tese, elas têm mais maturidade para se adaptar. Geralmente trazemos a ginasta, ela fica um mês em Aracaju, recebe um convite para essa fase de adaptação.
Quando ela consegue se adaptar, e temos aquela segurança de que vai ficar tudo bem e é aquilo mesmo que ela quer, fazemos a convocação. Temos também psicólogas que nos ajudam a identificar se elas têm essa maturidade para lidar com isso: morar longe, manter rotina de treinamento. Não queremos que elas fiquem lá sofrendo. Às vezes chamamos o pai ou a mãe para ficar com a filha por uma semana para ajudar com isso. E elas vão se adaptando.
É o caso do nosso grupo que está aqui na Bulgária. Estão há cinco anos morando em Aracaju, foram muito novas, com 16, 17 anos, hoje têm 21 ou 22. É uma adaptação que não é fácil, mas são escolhas. Essas meninas querem muito.
Agência Brasil: Você mesma, quando assumiu em 2011, teve que mudar sua vida e sair de Londrina. Valeu a pena?
Camila Ferezin: Eu amo o que eu faço. Gosto de estar dentro do ginásio, ensinar, buscar melhores resultados. Quando assumi, a seleção era a 26ª do mundo. Eu chegava nas reuniões da CBG e do COB e me perguntavam qual era a meta. Eu falava: a meta é colocar o Brasil no top 5. Eles olhavam para mim como se dissessem: é uma utopia, porque é uma modalidade difícil, sem tradição no país.
Formei a minha equipe com profissionais que são doutores, trabalham dentro das universidades e trazem a cientificidade para o nosso trabalho. Depois de 12 anos, colocar o país entre os cinco melhores do mundo foi uma realização pessoal. Pelo caminho fui sempre mirando lá na frente: trabalhamos e treinamos por anos e anos juntos, nos aperfeiçoamos, vim aqui mesmo para a Bulgária fazer estágio de treinamento. Tudo isso fez valer muito a pena.
Eu estou desde os oito anos no meio da ginástica rítmica. Hoje tenho 45. Passei por todas as fases: ginasta, ginasta da seleção, do conjunto, do individual, assistente técnica, treinadora. A minha formação também ajudou muito com a experiência para chegar aonde chegamos. É uma vida toda dedicada a isso e vamos continuar trabalhando para melhorar ainda mais.
Agência Brasil: Como garantir que o sucesso atual seja sustentável? Na ginástica, a carreira começa muito cedo e termina muito cedo.
Camila Ferezin: A média de idade deste grupo é de 19, 20 anos. Ao fim do ciclo, algumas pretendem continuar, outras vão encerrar a carreira. Temos um outro grupo que trabalha conosco. Chamamos de grupos 1 e 2. O grupo 1 é o titular, que está aqui na Bulgária, e o grupo 2 é o reserva, que neste momento está em Aracaju em treinamento. Nesse grupo 2 estão ginastas mais novas que substituirão aquelas que saírem ao final do ciclo. É uma mescla de ginastas mais velhas com outras mais novas, e fazemos essa transição de um ciclo para o outro.
Na ginástica, as meninas começam bem cedo, entre cinco e oito anos de idade. A cada resultado que conquistamos a repercussão em nível nacional aumenta e, por consequência, mais crianças entram para a modalidade. Por incrível que pareça, segundo a Confederação Brasileira de Ginástica, hoje a modalidade mais praticada é justamente a rítmica. Nossas competições estão lotadas. Tivemos que criar seletivas, pois eram muitas ginastas, eram vários dias de competição e isso se tornava cansativo. A CBG criou essas estratégias para abranger tantas ginastas e desenvolver o esporte no país, focando também em qualificar os treinadores. Isso vai melhorar o nível, as ginastas vão chegar mais experientes à seleção, daí virão os resultados e o estímulo a mais gente vir para a ginástica rítmica.
Edição: Fábio Lisboa
Fonte: EBC