As buscas pelo termo arcabouço fiscal cresceram repentinamente entre o final de fevereiro e o final do mês passado, de acordo com a ferramenta Google Trends. Mas, afinal, que diferença faz na vida do cidadão se o governo respeita ou não as chamadas regras fiscais?
O chamado arcabouço fiscal do Ministério da Fazenda tem três pontos principais. O primeiro deles é que os gastos do governo serão limitados a 70% do crescimento da receita obtida nos 12 meses anteriores. Isso significa que se aquilo que o governo arrecada com impostos, taxas e outras fontes de receita, aumentar R$ 10 bilhões, no ano seguinte ele se compromete a aumentar as despesas em, no máximo, R$ 7 bilhões.
A segunda regra que o Executivo propõe é que, independentemente do que arrecadar, ele poderá gastar entre 0,6% e 2,5% a mais do que no ano anterior. O teto de gastos limitava o crescimento das despesas a zero, na prática. Portanto, era mais rígido.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ideia de criar um piso mínimo e um teto máximo para as despesas públicas tem o objetivo de impedir que o Executivo tenha que cortar gastos quando a economia estiver mais fraca ou que ele gaste demais nos momentos de bonança.
O terceiro ponto do arcabouço fiscal é a criação de um intervalo ou, como o governo tem chamado, de bandas de variação para a meta de resultado primário. O resultado primário é a diferença entre o que o governo arrecada e gasta, tirando o pagamento dos juros da dívida.
É como o seu saldo bancário, ou seja, a diferença entre o seu salário e o que sobra depois de pagar todas as contas da casa. No caso do governo, se o saldo fica negativo no final do ano, ou seja, se ele fica no vermelho, chama-se isso de déficit primário. Agora, se ele fica no azul, daí se fala em superávit primário.
Ao elaborar o orçamento do ano seguinte, o Executivo tem o dever de estimar qual vai ser a meta de resultado primário. Ou seja, o governo traça uma expectativa de quanto vai arrecadar e prevê o quanto vai gastar, faz as contas e diz se no ano seguinte vai sobrar ou faltar dinheiro.
A proposta do governo Lula é criar bandas de variação para a meta do resultado primário. Funcionaria assim: o governo estima qual vai ser o resultado primário e uma margem de tolerância para cima e outra margem de tolerância para baixo.
Para este ano, por exemplo, o Executivo estima que as contas públicas vão registrar um déficit (prejuízo) em torno de R$ 50 bilhões. Mas com as margens de tolerância propostas, caso o arcabouço fiscal seja aprovado, ele será considerado cumpridor dessa meta de R$ 50 bilhões se o resultado final ficar entre um déficit de R$ 75 bi (margem de tolerância para cima) e R$ 25 bi (margem de tolerância para baixo), aproximadamente.
O governo propõe também que, se ele não ficar dentro desse intervalo de variação, no ano seguinte só poderá aumentar as despesas em 50% do crescimento das receitas e não mais em 70%, como diz a regra que vimos no início. Por outro lado, se ele superar as expectativas de resultado primário, o restante seria destinado para investimentos.
E eu com isso?
Quanto à importância de que o país tenha regras fiscais e as siga, o economista Benito Salomão, professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, explica que contas equilibradas trazem inúmeros benefícios para a população. “Parece que esses assuntos fiscais não atingem o dia a dia da população, mas indiretamente eles atingem, sim. É importante uma regra fiscal crível, porque uma política fiscal coordenada com a política monetária abre espaço para que a gente possa ter uma taxa de juros a médio prazo mais baixa, convivendo com uma inflação mais baixa”, afirma.
Segundo o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, o compromisso com as contas públicas tem impacto direto sobre a inflação. “A primeira incidência muito objetiva disso é de que você tendo o equilíbrio, você tem um instrumento eficaz de combate à inflação. Não temos dúvidas de que hoje no Brasil a causa que mais pressiona a inflação é o alto percentual da dívida pública que nós temos. Diminuir a dívida é fundamental porque isso alivia a pressão inflacionária. E o mecanismo para isso é exatamente ter o equilíbrio fiscal”.
O economista-chefe da Alphatree, Raone Costa, pontua que se um governo é irresponsável com as contas públicas, só há três caminhos a serem tomados: aumentar os impostos para arrecadar mais, o que penaliza a população e, principalmente, os mais pobres; tomar dinheiro emprestado, o que aumenta o endividamento público; ou dar calote nos credores, deixando de pagar a dívida.
“Quando o governo começa a lançar mão de tributo inflacionário para fazer frente ao orçamento público, a inflação fica maior e isso impacta a sociedade como um todo, especialmente os mais pobres, que têm menos condições de se proteger. Quem tem mais instrumentos financeiros consegue pegar o seu dinheiro e aplicar em taxas de juros, que normalmente vão estar altas nesse momento. Então, ele consegue proteger o seu patrimônio de maneira mais ou menos apropriada.”
Uma quarta alternativa seria cortar gastos, diminuindo a máquina pública, sendo mais eficiente com o dinheiro que entra e mais rígido com o dinheiro que é gasto. O economista diz que, se o governo começa a gastar mais do que ganha, quem empresta dinheiro para ele, sejam instituições financeiras ou mesmo pessoas físicas que compram títulos da dívida pública, como o Tesouro Direito, começam a desconfiar que o governo não vai ter dinheiro suficiente para pagá-las ou que correm o risco de levar calote.
A consequência direta dessa desconfiança é que os credores vão pedir uma recompensa maior, ou seja, juros mais altos para continuar emprestando dinheiro para a administração pública. E então fica mais caro para pessoas e empresas tomarem dinheiro emprestado ou fazerem financiamentos junto aos bancos. “No final das contas, isso tudo vira, de uma maneira ou de outra, dificuldade de compra, seja com inflação, aumento do preço, seja com dificuldade de tomar crédito, porque quem está tomando crédito nesse momento é o governo em detrimento da sociedade.”
A inflação alta deixa os itens nas prateleiras dos supermercados e das lojas mais caros. Os juros elevados encarecem o crédito e, assim, as empresas não conseguem dinheiro para investir no aumento da produtividade ou na contratação de mais pessoas, bem como os cidadãos deixam de financiar imóveis ou veículos.
E, se as pessoas estão consumindo menos e as empresas estão deixando de contratar, a economia cresce menos ou acaba encolhendo, o que diminui a arrecadação do governo com impostos. Se as contas públicas seguirem desajustadas, isso tudo pode levar a uma hiperinflação, situação que os brasileiros enfrentaram no passado recente e que os argentinos enfrentam atualmente.
Fonte: Brasil61