Formação dos professores, saúde mental de alunos e docentes e falta de envolvimento das famílias são os principais desafios enfrentados nas escolas públicas nos anos finais do ensino fundamental, etapa que vai do 6º ao 9º anos. As informações são de pesquisa inédita, divulgada nesta quarta-feira (9), que contou com a participação de mais de 3,3 mil dirigentes de educação de municípios de todo o país.
A pesquisa Percepções e Desafios dos Anos Finais do Ensino Fundamental nas redes municipais de ensino foi feita em parceria entre o Itaú Social e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para identificar os principais gargalos na oferta e na gestão nesta etapa escolar.
Os resultados mostram que a maioria dos gestores, 75,2%, considera desafio a saúde mental dos estudantes e professores. Aproximadamente a mesma porcentagem, 74,1%, aponta como desafios a falta de envolvimento das famílias e 69,9%, a formação de professores a respeito de aspectos específicos da etapa. Além disso, 64,6% consideram desafiadora a transição do 5º para o 6º ano e 57,2% apontam a questão da infraestrutura das escolas para atendimento da demanda.
Para o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, os dados do estudo mostram a necessidade de mais atenção para esta etapa do ensino. “Chama a atenção para a educação na sua integralidade. A gente precisa atender às questões socioemocionais, precisa compreender e ajudar as crianças, os jovens e os adolescentes a se situarem. Definitivamente, não dá para fazer uma educação compartimentada, com visão conteudista.”
De acordo com a gerente de Desenvolvimento e Soluções do Itaú Social, Sônia Dias, os anos finais do ensino fundamental são uma etapa de muitas mudanças na vida do estudante. Os alunos deixam de ter aula apenas com um professor e passam a ter aulas com professores de áreas específicas. Além disso, é a transição da infância para a juventude, etapa geralmente cursada entre os 11 e 14 anos de idade. Segundo Sônia, todas essas mudanças e transições impactam no processo de ensino e aprendizagem.
“É muito comum que a gente veja nessa faixa etária crianças que não estão prestando atenção, ou que têm muito sono, mas porque o cérebro está em desenvolvimento e muitas vezes ela precisa dessa energia para ela mesma. Muitas vezes, o adolescente que está nessa faixa etária tem momentos de grande questionamento, muitas vezes, de solidão, de medo em relação a mudanças físicas – a voz muda, o corpo muda, é uma fase de grandes inseguranças”, diz Sônia Dias.
Diante desse cenário, são necessárias ações específicas. A pesquisa mostra que 54,1% das redes de ensino que participaram do levantamento declaram que não têm uma equipe dedicada à adaptação dos estudantes, na transição do 5º para o 6º ano, e que 27,8% não oferecem espaços e grupos de acolhimento aos alunos. Sobre o envolvimento das famílias, a pesquisa revela que 21% das redes de ensino não implementam, ou implementam com muita dificuldade, estratégias de engajamento dos familiares; 57% implementam com alguma dificuldade e 22% implementam sem dificuldade.
Formação profissional
A pesquisa mostrou a necessidade de formação continuada mais alinhada aos desafios desse período escolar. A formação continuada é aquela que o profissional faz ao longo da carreira para desenvolver determinados saberes e se manter atualizado.
Conforme a pesquisa, quase metade das redes, 49,2%, oferta aos professores formações uma vez a cada dois meses para docentes; 26,1%, uma vez a cada seis meses; e 6,8%, uma vez ao ano. As proporções são semelhantes na oferta de formação para outros profissionais, como diretores escolares e coordenadores pedagógicos e pessoal das secretarias.
As temáticas mais ofertadas são formas lúdicas, críticas e participativas de aprendizagem (30,4%), usos de metodologias que promovam a aprendizagem autônoma e participativa (26,9%) e conteúdos específicos das áreas e componentes curriculares (28,4%). Já aquelas menos ofertadas são conteúdos sobre as mudanças e o desenvolvimento da adolescência nos estudantes (19,4%); a implementação de conteúdos de ensino de história e cultura africana e afro-brasileira (19,8%) e abordagens específicas para correção da distorção idade-série e da trajetória escolar (14,4%).
“A formação inicial deixa muitas lacunas e, por isso, a importância maior ainda que a formação continuada exista. É claro que todo profissional precisa se manter atualizado, mas cada vez mais a gente tem visto esse papel indutor e fundamental da formação continuada para os professores”, diz a gerente do Itaú Social. Para ela, a formação que existe na maioria das redes pode ser considerada frágil, dada a baixa frequência com que ocorre.
Segundo os dados coletados, as redes apontam como dificuldade a falta de materiais pedagógicos para aplicar os conteúdos das formações em sala de aula (47,7%); a frequência de profissionais nas formações continuadas (51,7%) e mesmo a adesão dos profissionais às formações continuadas (55,1%).
Para Luiz Miguel Garcia, da Undime, a formação inicial dos professores, nas graduações, também precisa ser revista, para se aproximar mais da realidade das escolas e fazer com que os novos profissionais cheguem mais preparados. “A gente vive uma grande crise porque a formação inicial dos professores não traz instrumentos de caráter pedagógico de formação adequada, que aproximem os futuros professores da realidade que vão encontrar no dia a dia”, diz Garcia,
Ele afirma que a formação inicial dos professores no Brasil precisa ser repensada para que se consiga sair do modelo conteudista e chegar a processos mais reflexivos. Garcia destaca ainda que a maior parte dos alunos de licenciaturas opta pela modalidade a distância o que, se não houver uma experiência nas escolas prevista no currículo, os distancia ainda mais da realidade das salas de aula.
Educação integral
A oferta de educação integral também está entre os desafios das redes municipais. Em geral, no Brasil, 57,5% das redes respondentes declaram ter ações para expansão ou implantação da educação integral nos anos finais.
Entre as estratégias de ampliação da educação integral, a mais avançada é a oferta de disciplinas eletivas ou atividades extras. Conforme o estudo, 42,8% das redes já implantaram, mas outras 18,5% ainda não têm planos para implementação. Outra iniciativa apontada é o aumento do quadro de professores, concretizado por 39,9%.
O estudo mostra, no entanto, que seis em cada dez redes que implementam alguma estratégia de educação integral têm muita dificuldade com questões financeiras e de infraestrutura.
A educação em tempo integral tornou-se, recentemente, política pública nacional com a sanção da Lei 14.640/2023, que institui o Programa Escola em Tempo Integral. O governo federal vai investir R$ 4 bilhões para ampliar em 1 milhão o número de matrículas de tempo integral nas escolas de educação básica em 2023. A meta é alcançar, até 2026, cerca de 3,2 milhões de matrículas.
Soluções
Identificar as fragilidades nas redes, segundo Dias, é importante para a busca de soluções. “Apesar de a gente ter essas lacunas e fragilidades, entende que tem muita oportunidade. Os estudantes passam por essas escolas só uma vez. Então, a gente tem a oportunidade de tornar essa experiência educacional para eles a melhor possível, uma experiência que apoie o seu desenvolvimento”, diz.
De acordo com Garcia, são necessárias políticas públicas voltadas especificamente para os anos finais do ensino fundamental e que sejam conjuntas. “Os anos finais do ensino fundamental ficaram esquecidos. Isso que estamos fazendo, estamos pautando ações que discutam essa problemática, e discutir o que podemos fazer juntos, essa construção precisa ser conjunta da União, de estados e municípios.”
A pesquisa foi feita entre 18 de maio e 26 de junho deste ano. Ao todo, 3.329 dirigentes municipais de ensino de todo o país responderam a um questionário virtual. Juntas as redes de ensino respondentes concentram 3,4 milhões de estudantes dos anos finais do ensino fundamental, o que equivale a 64% do total de 5,3 milhões de alunos dessa etapa na rede pública em todo o país.
Edição: Nádia Franco
Fonte: EBC