O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, chegou a dizer em 2023: “ela não passará” — se referindo à reforma tributária. Mas no apagar das luzes do Congresso no ano passado, a EC 132/23 foi promulgada, contrariando as crenças do chefe do executivo de Goiás. Com o texto substitutivo já aprovado pela Câmara e agora prestes a ser apreciado pelo Senado, Caiado — em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo — criticou vários pontos da reforma e acredita que ela “não terá aplicabilidade na vida real”.
Uma das principais críticas está no Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS — que será a unificação dos atuais ISS e ICMS recolhidos por estados e municípios. E que para Caiado é “algo impossível de ser aplicado”. O governador entende que “não se faz uma mudança que envolve mais de 5,5 mil prefeituras de 26 estados e um Distrito Federal dentro de uma emenda constitucional, que diz que as prerrogativas dos governadores serão secundárias e que um comitê gestor vai deliberar sobre a partilha da arrecadação aos municípios e aos Estados.”
Comitê gestor “super poderoso”
Para administrar o IBS — imposto arrecadado por estados e municípios — será criado o Comitê Gestor do IBS. Trata-se de um comitê que vai fazer a arrecadação, a compensação de débitos e créditos, a distribuição de receitas para os entes. E que, na opinião de Caiado, o representante desse comitê “vai ter mais poder do que o governador”, reclama.
“Ele é quem vai avisar o governador: sua mesada chega amanhã e vai ser de tantos milhões de reais. Eu apresentei um plano de governo, fui eleito, encontrei um Estado quebrado, endividado, que não conseguia fazer empréstimos, e hoje Goiás é um Estado com equilíbrio fiscal, progrediu, tem dinheiro em caixa, tem investimento, tem saúde e educação. E aí vou ter de governar com uma mesada”, avalia o governador de Goiás.
O advogado tributarista e sócio do Toledo Marchetti Advogado, Luis Claudio Yukio Vatari, concorda com o pensamento de Caiado, avaliando a situação econômica do estado que ele representa.
“Ele está num estado que possivelmente vai ser muito impactado pela arrecadação própria, ele vai depender muito de repasses, por isso eu concordo com o que ele diz sobre essa questão.”
Brigas na justiça
Outra crítica de Caiado está no que tange às ações na justiça decorrentes do IBS. Para ele, “vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando o IBS começar a funcionar. Nós vamos ter os 5.568 municípios e os 26 Estados mais o Distrito Federal com ações no Supremo Tribunal Federal”, prevê.
“Vão reclamar do valor de repasse da arrecadação, vão alegar que uns ganham mais do que outros, vão questionar a responsabilidade do comitê gestor. Eu acho que essa proposta do governo é infeliz, é concentradora sobre Brasília, retira 100% da representatividade, da capacidade de gestão e de governança dos governadores e dos prefeitos e transfere para aquilo que chamei inicialmente de ‘Comitê Venezuelano’. Simplesmente vai ficar na mão deles a distribuição de R$ 1 trilhão. Quem gerir o comitê terá o cargo mais importante do País”, diz Caiado.
O advogado Yukio Vatari concorda que haverá aumento de ações na justiça e critica o modelo que foi usado para a base do IBS.
“A gente pegou o tributo mais complexo, que é o ICMS, e estamos usando ele como modelo para fazer tudo. Aqui no meu escritório, já temos teses preparadas para os clientes mesmo sem ter a legislação pronta. E não é só meu escritório, a maior parte dos escritórios que trabalham com [reforma] tributária já viram falhas, abusos e outras questões de ordem procedimental junto ao Congresso.”
O texto substitutivo está no Senado e deve começar a ser apreciado na volta do recesso, agora em agosto. Sobre as possíveis mudanças que o texto poderia vir a sofrer no Senado, Caiado afirma que “a partir da aprovação da PEC (em dezembro de 2023), essas mudanças são apenas acessórios e não vão alterar as sequelas que já implantou em termos de consequências reais à população. Não adianta querer tratar uma fratura exposta com band aid.”