As inteligências artificiais generativas (IAs) estão sendo vendidas como a solução final para encontrar respostas, entender o mundo e até substituir buscadores. Mas o que poucos percebem — ou admitem — é que essas ferramentas só funcionam porque consomem conteúdo humano, produzido por sites, jornalistas, programadores, especialistas e educadores.
E o pior: elas sugam esse conteúdo e entregam como se fossem suas próprias respostas, sem redirecionar para o criador original, sem pagar e, frequentemente, sem nem citar a fonte.
O problema?
“Esse modelo não é sustentável. E está prestes a colapsar.“
A armadilha das bigTechs
Nos últimos anos, empresas gigantes como Meta (Facebook, Instagram) e Google centralizaram uma série de negócios dentro de suas plataformas. No começo, isso parecia útil para as pessoas e para pequenas empresas, que passaram a encontrar um espaço fácil para divulgar produtos e serviços. Mas, aos poucos, essa centralização virou uma armadilha: essas gigantes começaram a usar seu domínio para eliminar concorrentes e transformar negócios alheios em seus próprios serviços, enquanto as pequenas empresas perdiam o ambiente onde antes atuavam.
Agora, elas vão além — usando os dados de milhões de usuários, que se tornaram o “novo ouro” da era digital, para destruir negócios e empregos, explorando essa informação para controlar ainda mais o mercado e aumentar seus lucros às custas de quem produzia e gerava emprego.
Como as IAs consomem conteúdo
Ferramentas como ChatGPT, Gemini, Copilot, Claude, entre outras:
- Vasculham a internet aberta (web, PDFs, fóruns, repositórios)
- Capturam, indexam, extraem e reescrevem o conteúdo
- Treinam seus modelos com base nisso — sem autorização na maioria dos casos
- Respondem a qualquer pergunta com resumos, compilações e até cópias do material original
Elas não sabem. Elas repetem.
O que acontece se o conteúdo deixar de existir?
As IAs não têm conhecimento original. Elas são derivativas.
Se sites de:
- jornalismo
- programação (como GitHub e StackOverflow)
- educação (como Wikipédia ou sites técnicos)
- medicina, direito, ciência, comércio…
pararem de existir ou de publicar conteúdo acessível, as IAs perdem o que consumir.
O que vem depois?
- Respostas cada vez mais genéricas
- Informações incorretas ou inventadas (“alucinações”)
- Perda de confiança dos usuários
Ou seja:
Sem criadores, as IAs se alimentam de eco. E morrem abraçadas ao vazio.
Fantasias sobre o que as IAs podem fazer
Muito do que se fala sobre inteligências artificiais hoje é pura fantasia — uma mistura de marketing, desinformação e promessas vazias. As IAs não criam nada verdadeiramente novo; elas apenas reorganizam, adaptam e reproduzem o que já existe na internet, conforme o que foi pedido. Ainda assim, muitos sites de pseudo-tecnologia vivem de repercutir falas infladas — muitas vezes fornecidas pelos próprios criadores das IAs — com o único objetivo de atrair investidores e gerar hype.
Essas ferramentas não inventam motores revolucionários nem descobrem leis da física: se fossem realmente capazes de criar algo inédito, bastaria pedir que projetassem um motor que consuma zero combustível — mas tudo o que entregam são variações do que já foi escrito. Em vez disso, o que vemos são pseudo-notícias e teorias da conspiração recicladas, como a ideia de que inventores foram assassinados por montadoras por criarem tecnologias “proibidas”, ignorando o fato de que montadoras produzem carros, não combustíveis, e que elas próprias têm todo o interesse em veículos mais econômicos justamente para vender mais.
Uma alternativa: IA só poderiam mostrar links, não respostas, de artigos e notícias
Uma solução prática e viável seria limitar o papel das IAs à função de buscador, como o Google:
- Pergunta → IA busca links relevantes → Usuário clica e lê na fonte
- Nada de resumos, compilações ou reinterpretações
- Nada de transformar conteúdo alheio em produto próprio
Isso protegeria:
- O tráfego dos sites (e sua monetização)
- A autoria e a propriedade intelectual
- A diversidade e a saúde da internet
Mas isso afetaria diretamente o modelo de negócio das Big Techs, que querem centralizar o acesso à informação dentro dos seus próprios produtos, pois levaria, nos casos que não são geração de códigos e coisas do tipo à um mero buscador.
Códigos geralmetne não são geração intelectual, seguem as regras do mesmo programa/linguagem usada, não sendo possível, desde que não tenha integralmente o funcionamente de um sistema mais específico e complexo que posso estar protegido, pois seguem a regras da mesma linguagem. Esses sim, poderiam se fornecidos, ou caso a pessoa informe o código e peça uma possível correção.
No caso do jornalismo: impacto imediato
Se as IAs forem proibidas de responder com notícias ou resumos jornalísticos:
- O tráfego volta (parcialmente) aos sites originais
- A receita por publicidade e assinaturas melhora
- Os produtores voltam a ter valor no ecossistema
Caso contrário, o risco é:
- Sites fechando
- Redações sumindo
- Informação verificada sendo substituída por ruído
No caso de sites técnicos como GitHub e StackOverflow
Esses sites mantêm uma web viva e prática para desenvolvedores.
Se as IAs continuarem extraindo suas respostas:
- Os usuários param de contribuir (já está acontecendo com o StackOverflow)
- Os sites deixam de ser úteis
- O conteúdo estagna
- A IA começa a repetir e gerar soluções quebradas, se o site onde se alimenta não existe mais, não existe o que ela usar.
No fim, a IA perde qualidade e o desenvolvedor volta a ter que procurar em fóruns quebrados.
O colapso invisível
Enquanto usuários comuns comemoram a praticidade de perguntar tudo a um robô, o ecossistema que sustenta esse robô está morrendo:
- Criadores param de criar
- Especialistas deixam de publicar
- Sites fecham ou se tornam fechados
- A IA perde o que consumir
Caminhos possíveis
Pode haver duas saídas viáveis para equilibrar essa equação:
1. Regular fortemente o uso de conteúdo por IAs
- Impedir que IAs exibam respostas baseadas em conteúdo não licenciado
- Obrigar o uso apenas como “buscador” com links
- Aplicar leis de copyright com rigor
2. Criadores abandonarem a web aberta
- Sites podem impedir crawlers de IA via
robots.txt
- Podem bloquear acesso via IPs de bots conhecidos
- Podem fechar conteúdo atrás de login ou paywall
E se isso se tornar um movimento coletivo, as IAs não terão mais como manter seu desempenho atual, com isso elas terão de pagar para consumir o conteúdo de terceiros. Mas nós já vimos que eles não tem interesse em fazer isso, já é discussão há décadas de como a Meta (Facebook e Instagram), e agora o Google, que aderiu a esse método predatório de uso de conteúdo para treinar suas IAs, como utilizam nossos dados.
Ronaldo Marcos, Cientista de Dados e analista de Big Data, especialista em SEO há décadas, comenta:
“O que estamos vendo é uma mudança profunda e preocupante no mercado digital, especialmente influenciada pelas próprias IAs, incluindo as do Google. Há alguns anos, o Google vem alterando seus algoritmos para dar prioridade a conteúdos de baixa qualidade, muitos gerados por IA, que por sua vez realimentam os resultados das buscas. Esse modelo favorece plataformas gigantes como o Reddit, que, embora tenha conteúdos úteis, também é inundado por fanfics e material gerado por usuários, enquanto sites menores de artigos e/ou notícias, que investem em conteúdo autoral e de qualidade, perdem espaço. Todo o esforço de jornalistas, vendedores e produtores de conteúdo está desaparecendo diante de práticas que o Google antes punia, mas que agora são premiadas. Eles, inclusive, geram resumos usando IA no início da busca, desinsentivando o acesso ao site que criou aquele conteúdo, se apropriam do conteúdo.
É comum grandes canais, sites e similares fazerem coisas muito piores e não receberem a mesma punição dada a outros, sendo que a única diferença entre eles seja que tenham mais visualizações e rendam mais anunciantes ao Adsense e outras redes de anúncios de outras plataformas, como também patrocinarem muitos de seus conteúdos dando ainda mais dinheiro à elas. Lembrando que isso acaba moldando culturamente a sociedade e que, talvez, seja o motivo de alguns criminosos serem idolatrados “artisticamente” sem nenhum atributo artístico, enquanto conteúdos de baixa qualidade estão desaparecendo.
Além disso, as receitas provenientes do Adsense se tornaram migalhas, enquanto anúncios proibidos pela legislação e pelas próprias políticas do Google pipocam em plataformas como Adsense e YouTube, muitas com golpes e conteúdo duvidoso que não são removidos mesmo após denúncias — provavelmente porque esses anunciantes pagam bem – muito comum também na plataforma X. Para piorar, publishers sérios e anunciantes confiáveis enfrentam bloqueios, cancelamentos e até exclusão de contas por motivos menores, como ultrapassar o percentual de texto em anúncios.
No passado, essas plataformas ofereciam uma vantagem por ampliar o alcance do conteúdo, mas hoje estão relegando produtores a uma periferia digital, criando pedágios caros demais para os pequenos e médios players que ajudaram a formar esse mercado.” finaliza ele.
Conclusão
As IAs estão criando uma internet onde todo mundo consome, mas ninguém tem por que produzir.
Elas não podem existir sem conteúdo. E esse conteúdo não existe por mágica — ele custa tempo, esforço, estudo e investimento. Sem incentivo, ele desaparece. E quando desaparecer, as IAs deixarão de parecer tão inteligentes. Vão apenas repetir o vazio.
Quando as IAs começarem a morrer por falta de conteúdo novo para consumir, já terão matado milhares de negócios e profissões pelo caminho — mas até lá, seus criadores estarão com os bolsos cheios de bilhões de dólares, enquanto a sociedade minguará com seus empreendimentos esvaziados e sua economia digital desidratada. Eles não morrerão abraçados juntos. Estarão no alto, olhando de longe — ricos, enquanto o resto colhe os escombros.