Fabricar uma vacina é um processo com uma série de etapas que pode levar até 36 meses para ser concluído, tudo isso antes que o frasco com o imunizante deixe a fábrica e siga para os postos de vacinação. Nessa jornada de três anos, mais do que dois podem ser gastos com processos rigorosos de controle de qualidade, que consomem 70% do tempo dedicado à produção de vacinas.
Chefe global de Assuntos Médicos para Imunização de Adultos da Farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), o imunologista Yan Sergerie acredita que um dos principais desafios da indústria farmacêutica e dos governos é comunicar toda essa segurança envolvida na pesquisa e produção dos imunizantes, para transformar vacinas em vacinação.
Cada frasco de vacina produzido pela farmacêutica passa por mais de 100 checagens de qualidade ao longo de toda a fabricação, e o maior complexo industrial da empresa, em Wavre, na Bélgica, está em constante inspeção de órgãos externos, como a Organização Mundial da Saúde e a Agência Europeia de Medicamentos. Segundo a GSK, são feitas até 25 vistorias externas por ano, cada uma com duração de até quatro semanas, o que faz com que haja sempre alguma inspeção em curso e até mais de uma ocorrendo simultaneamente.
Maior fábrica do mundo
A pequena cidade de Wavre, no interior da Bélgica, tem pouco mais de 30 mil habitantes, mas o complexo industrial construído dentro de seus limites é capaz de entregar mais de 400 milhões de doses de vacinas por ano, montante que supera os cerca de 300 milhões de doses distribuídos anualmente pelo Programa Nacional de Imunizações do Brasil. Esse número representa mais da metade das 767 milhões de doses produzidas pela GSK no ano passado, e, segundo a empresa, o complexo de 550 mil metros quadrados na cidade belga é a unidade produtiva de vacinas com maior área do mundo, equivalente a 70 campos de futebol.
Com o desafio de imunizar uma população global de 8 bilhões de pessoas, a indústria de vacinas tem números e alcance que impressionam. Maiores fabricantes do Brasil, Bio-Manguinhos/Fiocruz e Instituto Butantan produzem mais de 200 milhões de doses por ano, cada um. Já o maior produtor do mundo, o Instituto Serum, da Índia, atingiu a marca de 1,5 bilhão de doses fabricadas em 2021 com a pandemia de covid-19, o que faz com que 65% das crianças do planeta recebam doses do Serum. A GSK, por sua vez, estima que suas vacinas cheguem a quatro em cada 10 crianças no mundo, e até 60% desses imunizantes são produzidos na unidade de Wavre.
Do lado de fora das grades da fábrica, a cidade belga é um cenário silencioso com campos abertos, um rio estreito e uma igreja histórica, em estilo gótico, dedicada a São João Batista. Do lado de dentro, prédios espelhados, linhas de produção robotizadas e laboratórios com rígidos protocolos sanitários concentram um trânsito intenso dos mais de 6 mil funcionários.
Principal sede da empresa britânica na Bélgica, o complexo industrial com 13 prédios fabris tem também edifícios administrativos, abriga uma das três unidades de pesquisa e desenvolvimento da GSK e é a sede da divisão de vacinas do grupo, que fornece imunizantes para 160 países, incluindo o Brasil.
Vice-presidente e chefe de Operações da GSK na Bélgica, Rudi Rosolen afirma que as vacinas provavelmente estão entre os produtos mais regulados do mundo e destaca que concentrar os times de pesquisa e desenvolvimento e operações no mesmo complexo industrial facilita os dois processos.
“A proximidade da pesquisa e desenvolvimento com a fábrica é uma vantagem competitiva”, afirma Rosolen, que explica que isso permite que o time de operações aprenda sobre a vacina ainda nos primeiros estágios de desenvolvimento e também mantém a equipe de pesquisadores próxima da produção quando o produto passa para a fase de comercialização.
Rosolen aponta as vacinas de mRNA, usadas em massa pela primeira vez na imunização contra a covid-19, entre as apostas da farmacêutica para o futuro. Além de colaborar com o desenvolvimento da vacina CureVac, que usa essa plataforma contra a covid-19, a empresa está construindo sua própria unidade de pesquisa e desenvolvimento dedicada ao processo completo dessa tecnologia. “A gente avalia que plataforma de mRNA é uma importante tecnologia para o futuro da fabricação de vacinas e estamos nos preparando para isso”, diz ele.
De Wavre, as clínicas privadas brasileiras importam uma das vacinas disponíveis contra o Herpes Zoster, doença causada pelo mesmo vírus da catapora, o varicela zoster. O agente infeccioso permanece no organismo depois que os pacientes se recuperam da catapora e aguarda uma situação de baixa na imunidade para voltar a atacar, o que muitas vezes ocorre após os 50 anos, causando dores intensas e vermelhidão na maioria dos casos.
Além dessa vacina, o complexo industrial participa da produção de praticamente todas as 20 vacinas do portfólio da farmacêutica. As exceções são os imunizantes que previnem contra a meningite, fabricados em uma unidade francesa do grupo. No caso de ao menos 12 vacinas, o complexo de Wavre tem estrutura para realizar todo o processo de produção
O caminho das vacinas
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